Uma fogueira que nunca se apaga
- Adenise Ribeiro
- 23 de jun. de 2020
- 3 min de leitura
Os sentimentos e desafios de manter a tradição junina das quadrilhas em meio ao Covid-19.
Ano após ano, assim que se inicia o mês de junho, uma energia diferente toma conta do Brasil, especialmente na região Nordeste. Luzes, cores e sabores mostram que é tempo de aproveitar as festas juninas, comendo muito milho, ouvindo muito forró e se reunindo com a família e amigos para celebrar as tradições. Um ritual cíclico, que faz parte do DNA cultural, mas que esse ano sofre com as consequências da pandemia de Covid-19. Com a implantação das necessárias medidas de isolamento social em março e a contínua extensão dos protocolos de segurança pública, o mês de junho chegou e com a ele a proibição de fogueiras, fogos de artifício e, claro, qualquer tipo de aglomeração. As quadrilhas precisaram guardar suas alegrias para o futuro, os shows de forró se transformaram em lives e o sentimento de vazio deixado pela impossibilidade das festas se tornou a tristeza de muitos.

Não é novidade que as festas juninas movimentam vários setores da economia, como turismo, entretenimento, alimentação e, indiscutivelmente, a indústria da moda. O mercado ganha um novo fôlego, com pelo menos três feriados comerciais, e movido pela demanda de consumo temática Brasil a fora. Diversas cidades preparam festas com atrações culturais, garantindo renda para milhares de artistas sejam eles locais ou conhecidos nacionalmente e os campeonatos de quadrilhas juninas garantem renda para vários profissionais. Costureiras, bordadeiras, motoristas, marceneiros, coreógrafos, figurinistas, atores, dançarinos, maquiadores, aderecistas, produtores culturais, entre outros profissionais se dedicam ao ciclo junino e este ano não poderão contar com os ganhos dessa época.
Para garantir o brilho e beleza das apresentações, os quadrilheiros começam os preparativos do São João logo após a última apresentação do enredo daquele ano e seguem até o início do ano seguinte, um trabalho intenso, que exige muito planejamento, ensaios e, principalmente, recursos financeiros consideráveis. As quadrilhas, que costumam ser autogerenciadas, não costumam contar com grandes patrocínios. Em boa parte dos casos, são os próprios componentes que pagam seus belos figurinos e arcam com as inscrições nos concursos. Ao longo dos meses os grupos se viram como podem para as apresentações acontecerem: realizam bingos, rifas e eventos para garantir a realização da performance.
Além da paixão pela quadrilha, ainda há a certeza de fonte de renda extra durante os festejos. No caso das costureiras, a procura pelas profissionais triplica no período. E não é só o quadrilheiro que deseja uma roupa nova. Toda a sua comunidade sonha com a roupa para as noites de São João e São Pedro, movimentando os comércios locais de pequenas e grandes confecções. Um simples passeio pelos shoppings das cidades brasileiras é o suficiente para observar vitrines dedicadas ao fenômeno cultural das festas juninas, que só perde para o carnaval em repercussão nas mídias nacionais e internacionais, superando os números em extensão cultural e econômica. Não importa o tamanho da cidade, sempre haverá lugar para uma boa e velha palhoça.
As palavras do Rei do Baião, Luiz Gonzaga, em sua canção Noites Brasileiras, nunca fizeram tanto sentido como nesse momento único que estamos vivendo: “Ai que saudades que eu sinto. Das noites de São João. Das noites tão brasileiras na fogueira. Sob o luar do sertão”. Infelizmente, 2020 entrará para história como o ano em que o brasileiro não pôde brincar o São João como gostaria, sem fogueira e que a sanfona literalmente chorou. Mas, ainda que na fogueira não haja chama, a paixão pelo São João permanecerá queimando dentro de todos nós este ano. ▶
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